16 de outubro de 2013

Literatura das margens

Publicado em: O Povo - Jornal de Hoje (Fortaleza)

Mexicano analisa a literatura feita por moradores da periferia brasileira. Em Vozes dos Porões, o escritor Alejandro Reyes investiga como a memória, a violência e a linguagem são fatores que distinguem essa produção
 
 
Alan Santiago alan@opovo.com.br
 
Moradores da periferia têm se reunido, desde o início dos anos 2000, para uma atividade perigosa e subversiva: saraus recitando poesia, discutindo a própria realidade, refletindo sobre o mundo – geralmente em bares. Esse movimento literário, que explodiu em São Paulo e ganhou outras cidades do País, é o foco de Vozes dos Porões, assinado pelo mexicano Alejandro Reyes.

As 271 páginas do estudo são fruto de um doutorado na Universidade da Califórnia em Berkeley, quando Reyes se propôs o cruzamento entre dois de seus olhares: o do escritor e o do ativista.

Ele é autor do romance A Rainha do Cine Roma, enxergando a vida de crianças em situação de rua, e também entusiasta das iniciativas de autonomia nas comunidades zapatistas mexicanas, que têm escolas e postos de saúde próprios.

Na pesquisa, Reyes tenta entender o que esses saraus significam do ponto de vista literário e político. Segundo ele, trata-se de uma literatura com grande ênfase autorrepresentativa, ao refletir o dia a dia das populações periféricas que a produzem.

Além disso, está vinculada também a iniciativas de ação política – como economia solidária e movimentos populares. Os saraus, um fenômeno que Reyes reputa como global, têm cada vez mais se desdobrado em oficinas ou até mesmo em cursos de longa duração com uma pedagogia, às vezes, “baseada no imaginário simbólico afro-brasileiro”.

Tudo isso criado por autores e público de periferias, favelas e prisões. “Mas essas características não são estreitas. O (escritor pernambucano) Marcelino Feire é considerado parceiro, embora seja de classe média”, afirma.

Violência
Inspirados pelo Cooperifa, criado 2001, outros tantos saraus surgiram – no Rio, em Salvador, em Brasília, Porto Alegre. E acabaram fazendo emergir um punhado de escritores que convertem os sentimentos das ruas em literatura.

Allan da Rosa, Paulo Lins, Nelson Maca, Ferréz e Sérgio Vaz, por exemplo, ganharam notoriedade nacional. Hoje participam de festas literárias pelo Brasil e vão também a universidades estrangeiras, carregando o modus vivendi dos bairros considerados “marginais”.

“(...) não batemos na porta para alguém abrir, nós arrombamos a porta e entramos”, resume Ferréz em Terrorismo Literário, manifesto impresso numa coletânea com talentos dessa safra. Três números especiais, em 2001, 2002 e 2004, da revista Caros Amigos ajudaram a visibilizar essa produção, ao publicar 80 textos de 48 autores.

Na avaliação de Reyes, há “um processo próprio de como essas portas foram quebradas, entrando em espaços que antes não eram permitidos. Quando os escritores começam a viajar, isso vai ampliando”.

Essa nova literatura “marginal” – que se apropriara e remodela termo já utilizado nos anos 1970 – é um produto da década de 1990, segundo Reyes. O acréscimo brutal da violência naquele decênio gerou “uma cultura de extermínio devido ao abismo social que cresce depois do fim da ditadura”.

Massacres como do Carandiru ou da Candelária acontecem, respectivamente, em 1992 e 1993. “Isso dá origem, anos depois, a uma série de escritos que são o embrião do que viria a ser a literatura carcerária. A mesma coisa na literatura da periferia”.

Tão próxima das populações periféricas que convivem com a truculência do tráfico e da polícia, a violência aparece também de maneira sistêmica nesses autores. “Não apenas com a chacina, mas também num transporte público humilhante para eles”.

Afora a violência, ainda outros três aspectos que distinguem, para Reyes, essa produção são analisados no livro: a memória, a linguagem e a crise do mediador de classe média.

“Os escritores periféricos estão dominando a norma culta e subvertendo a lógica com a linguagem das ruas, que sempre foi excluída”, afirma. Ao mesmo passo, a memória serve para dar sentido a uma experiência mais individual dessas populações e é uma tentativa de se opor aos parâmetros da globalização.

Além disso, uma crise na mediação entre o Brasil da favela e o Brasil da classe média alta acirrou os ânimos dos dois lados. E a reação, nas comunidades periféricas, é o surgimento do hip-hop, que faz a figura do malandro, exaltado como síntese do País, passar ao papel de criminoso.

“Na crise do mediador, há um vácuo, que é preenchido pelo produtor cultural da periferia de outra forma. Não mais numa negociação, mas na visibilização do conflito. É uma mudança radical”.

Onde

ENTENDA A NOTÍCIA

A conversa com Alejandro Reyes aconteceu em Passo Fundo, no interior do Rio Grande do Sul, onde ele foi participar da 15ª Jornada Nacional de Literatura. Ele dividiu o palco com o poeta Sérgio Vaz e o rapper Emicida na mesa “A leitura das ruas”.

SERVIÇO

Vozes dos Porões
Alejandro Reys
Coleção Tramas Urbanas
Editora Aeroplano
271 páginas

4 de outubro de 2013

Universidade das Quebradas, Rio de Janeiro

Alejandro Reyes from Universidade das Quebradas on Vimeo.

Escritor mexicano Alejandro Reyes lança o livro Vozes dos Porões na Universidade das Quebradas

Publicado no site da Universidade das Quebradas

A literatura produzida atualmente nas periferias brasileiras  é o tema do novo livro do  escritor mexicano Alejandro Reyes,  Vozes do Porão: Literatura Periférica/Marginal no Brasil que faz parte da coleção Tramas Urbanas da Editora Aeroplano.

Alejandro Reyes esteve ontem na Universidade das Quebradas para apresentar seu livro e falar sobre literatura e política. Fruto de uma tese de doutorado na  Universidade de Berkeley na Califórnia, o trabalho, explica o escritor, tem “intenção de contribuir para a construção de alternativas neste momento de crise global”.

Ele contou brevemente que a literatura que foi chamada de marginal, foi escrita na década de 1980, por autores da classe média que se colocaram fora do cânone, produzindo livros artesanais. A partir de 2000, uma literatura muito forte surge na periferia de São Paulo, em regiões de favela e prisões. Esta literatura ocupa os bares com saraus como o da Cooperifa e Sarau do Binho. O escritor revelou que um marco neste movimento aconteceu quando o escritor Ferrez organizou três volumes da revista Caros Amigos sobre esta Literatura Marginal, apresentando uma série de textos inclusive do Comandante Marcos ligado ao movimento Zapatista.

Mexicano que morou na Bahia, Alejandro se define como um escritor ativista. Ele acredita que as palavras têm mais poder que as balas e afirmou: A literatura precisa fazer um questionamento ético não apenas estético. 

Alejandro nos contou que 95% do crescimento populacional no mundo se dá em áreas periféricas onde as pessoas vivem de subemprego e sonham com o tempo em que eram explorados e tinham salario, ele disse: Vivemos em uma panela de pressão!

O autor afirma que esta panela só não explode por causa das Ongs e programas como o Bolsa Família, que funcionam como band aids e porque a polícia está sempre pronta para dar porrada na cabeça daqueles que protestam.

Ele também comentou sobre as reflexões do escritor paulistano Allan da Rosa, que percebeu o papel limitado na capacidade de transformação social dos saraus. Allan está atualmente organizando cursos baseados na reflexão sobre a cultura afrobrasileira. Falou ainda sobre o movimento revolucionário Zapatista que há vinte anos experimenta a construção de uma autonomia no sul do México, constituindo escolas, sistemas de saúde e de justiça independentes do estado.

E atenção: quem quiser trocar ideias com Alejandro Reys, ele estará participando, hoje dia 11 de setembro, do circulo de conversas Resistência e/em Movimento, na Rua Alcino Guanabara (ocupação Manuel Congo) Cinelândia, ás 19 horas, e amanhã dia 12 de setembro, no Sarau Apafunk.

3 de outubro de 2013

Letras engajadas (Revista Cultura.rj)

Publicado em: Revistsa Cultura.rj

O mexicano Alejandro Reyes, que acaba de lançar o livro Vozes dos Porões, fala sobre a literatura periférica do Brasil


 O autor pesquisou a literatura periférica brasileira em seu doutorado. 
(Crédito: Divulgação) 


Capa do livro, lançado pela editora Aeroplano.
Na última década, a produção literária da periferia brasileira ultrapassou barreiras, atingindo novos públicos, chegando ao mercado e às universidades, extrapolando até fronteiras nacionais. O movimento chamou a atenção de Alejandro Reyes, escritor, tradutor e jornalista nascido no México. Depois de morar vários anos nos Estados Unidos e na França, Alejandro se mudou para o Brasil em 1995, onde mergulhou na cultura urbana produzida e vivenciada nas favelas e passou a estudar o que chama de “fenômeno da literatura periférica no Brasil”.

Assim nasceu o recém-lançado Vozes dos Porões, livro em que Alejandro analisa a expansão desse movimento literário, suas particularidades e suas dimensões sociais e políticas. A obra é fruto de sua pesquisa de doutorado realizada na Universidade da Califórnia, em Berkeley, mas Alejandro avisa, logo na introdução, que as inquietações que o moveram na empreitada foram mais as do ativista e do escritor que as do acadêmico ou intelectual.

Alejandro Reyes é autor de Vidas de rua e Contos Mexicanos, coletâneos de contos, e do romance A rainha do Cine Roma, finalista do prêmio Leya 2008 e ganhador do prêmio mexicano Lipp 2012 pela versão em espanhol. Seu romance de estreia foi traduzido no Brasil, em Portugal, no México e na França. Atualmente o autor vive em Chiapas, no México. Vozes dos Porões integra a coleção Tramas Urbanas, da editora Aeroplano.



No livro Vozes dos Porões, você escreve que o fenômeno da literatura periférica é forte no Brasil, mas você se foca bastante nos escritores de São Paulo. Como é essa cena no Rio?

O fenômeno começou de fato a adquirir características de “movimento” (literário, político e social) em São Paulo, sobretudo com a criação dos saraus do Binho e da Cooperifa e a subsequente proliferação dos saraus por todas as periferias da cidade, e com a publicação dos números da revista Caros Amigos dedicados à “literatura marginal”, organizados por Ferréz (foram três números da publicação editados em 2001, 2002 e 2004, que reuniram 80 textos de 48 autores oriundos das periferias do país). Mas o grande precedente que deu visibilidade à literatura periférica na década de 1990 foi o romance Cidade de Deus, de Paulo Lins, justamente no Rio de Janeiro. E teve também o MV Bill e Celso Athayde, com os vários produtos culturais do projeto Falcão, em meados da década de 2000. De grande importância hoje são os muitos saraus literários que vêm surgindo há alguns anos no Rio, vários deles na Baixada Fluminense, alguns inspirados nos saraus que deram origem ao movimento em São Paulo e outros, significativamente, inspirados no trabalho de Nelson Maca e o coletivo Blackitude, em Salvador, com um viés muito mais afrobrasileiro. O último evento da nossa recente turnê com Vozes dos Porões foi justamente no fantástico Sarau da APAFunk, na Cinelândia, na frente da ocupação Manoel Congo.

A que você atribui a “profusão inusitada de obras de autores oriundos  das periferias urbanas” que se observa na última década?

Acho que tem vários elementos. Primeiro, a crise social brasileira iniciada no período da “democratização” e aprofundada na década de 1990, que criou um abismo inédito entre as classes sociais, devido às políticas neoliberais, à polarização da riqueza, a “democratização” das drogas e o aumento da violência. Essa crise trouxe, por um lado, uma reação de intolerância por parte das classes privilegiadas e o que alguns pensadores têm chamado de “cultura do extermínio” contra as populações pobres, consideradas “perigosas”. Por outro lado, essa situação resultou numa crise na mediação cultural, até então feita por uma classe média letrada. Esse vácuo na mediação cultural vem sendo retomado, agora, pelos produtores culturais periféricos, não mais com o discurso da negociação conciliadora numa suposta democracia racial, mas, ao contrário, visibilizando e escancarando os conflitos presentes na sociedade brasileira. Nesse contexto, um grande impulso foi o sucesso mercadológico de obras como Cidade de Deus, o filme Carandiru e toda a produção cultural em volta do massacre. Finalmente, o grande impulso foi o surgimento dos saraus literários, que serviram como espaços de conscientização e de formação política e literatura para muitos poetas e escritores.

Você insere essa produção literária nesse movimento cultural e político mais amplo que é o dos saraus literários, que vem se expandindo nas periferias do país desde 2000. Poderia falar um pouco sobre esse movimento?

São espaços, geralmente bares, de encontro entre poetas, escritores, ativistas e amantes da palavra, onde se recita poesia, se discutem temas culturais e políticos, se lançam livros, pela e para a população periférica. Espaços de formação não só poética e literária, mas política, de sujeitos individuais e coletivos. Hoje há uma grande variedade de formas e estilos, uns voltados mais para a poesia, outros para o debate, alguns com um perfil evidentemente periférico e outros com um viés muito mais afrobrasileiro, com a reivindicação da negritude como eixo de luta (a exemplo do Sarau Bem Black na Bahia), e inclusive outros com uma perspectiva mais global, latinoamericana, como o Sarau do Binho. É interessante notar que o fenômeno é muito dinâmico, não só pelo surgimento de cada vez mais saraus, mas do constante questionamento interno sobre o papel formador desses espaços e as ações políticas e sociais para além do sarau em si. Nos saraus da Brasa e do Elo da Corrente, na zona norte de São Paulo, por exemplo, o lançamento de Vozes dos Porões serviu como ponto de partida para debates muito profundos sobre autonomia, formação política, o papel problemático da ação das ONGs e do Estado, etc.

Cada vez essa produção literária tem mais espaço no mercado editorial. Como foi esse processo de incorporação dessa escrita ao mercado? Poderia citar alguns exemplos?

Como eu disse, a obra que abriu essa porta foi Cidade de Deus, seguida pelos números de Literatura Marginal na revista Caros Amigos. Na primeira metade da década de 2000, há uma grande quantidade de livros publicados de forma independente. Simultaneamente, houve a criação de algumas iniciativas editoriais independentes, como Edições Toró, organizada por Allan da Rosa. Mas é a partir de 2003 que autores como Ferréz começam a publicar em editoras de grande porte e a serem traduzidos e publicados em vários países, sem dúvida devido à atenção que essa produção começa a ter na mídia. Duas importantes iniciativas, ambas iniciadas em 2007, são a coleção Literatura Periférica da Global Editora, com oito livros publicados até agora, e a coleção Tramas Urbanas da Aeroplano Editora (da qual Vozes dos Porões faz parte), com curadoria de Heloísa Buarque de Hollanda, com uns 30 livros publicados sobre a produção cultural periférica. Além disso, é importante destacar a notável e crescente presença dos escritores periféricos em feiras de livros, congressos, encontros acadêmicos e outros eventos nacionais e internacionais, dialogando cada vez mais com a produção cultural “canônica”.

Inspirado pela literatura marginal brasileira, você participou de um coletivo editorial no México, onde iniciou a coleção Imarginalia, dedicada a autores oriundos de favelas e periferias urbanas. Quais são as diferenças e semelhanças entre a literatura marginal mexicana e a brasileira?

A literatura que se faz nas periferias e “barrios bravos”, por exemplo, da cidade do México, tem muito a ver com a literatura periférica brasileira: a preocupação com as temáticas da marginalidade, da violência, da pobreza, da desigualdade; o uso de uma linguagem carregada da oralidade das ruas; a preocupação com a memória, com a territorialidade e com as formas de sociabilidade locais; a vinculação com ações políticas e sociais para além da criação literária. Ao mesmo tempo, a literatura periférica no Brasil destaca-se pela vitalidade, pela vinculação muito ativa entre escritores de periferias de todo o país, com a consciência de serem parte de um fenômeno comum, pela participação de autores muito jovens, pelo pertencimento a um movimento cultural mais amplo que inclui muitas outras expressões culturais além da literária, e pela visibilidade do fenômeno tanto na mídia quanto no mercado e até mesmo na academia.

Quals são as relações que você estabelece entre o Exército Zapatista de Liberação Nacional e a literatura periférica?

O EZLN no México é um movimento revolucionário cuja principal arma de luta é a palavra e cuja principal reivindicação é a autonomia. Nos últimos 20 anos, eles têm criado um sistema de governo, justiça, educação, saúde, produção e comércio autônomo, fora da lógica do capital e sem um centavo do governo. Por outro lado, um dos eixos mais interessantes do movimento da literatura periférica são as ações políticas de criação de espaços de autonomia nas periferias. A experiência de luta antissistêmica e de construção de um mundo alternativo pelos zapatistas pode alimentar o próprio debate interno do movimento cultural periférico, no contexto das suas próprias buscas, conquistas e contradições.





Colaboração de Renata Saavedra